As fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) bateram recorde em número de pessoas libertadas da escravidão em 2007, com 5.877 trabalhadores em 197 fazendas. Trabalho escravo e degradante estão cada vez mais em destaque no noticiário nacional, principalmente pelos recentes flagrantes em fazendas do setor canavieiro - vedete em tempos de coroação dos biocombustíveis. Exemplos disso foram as ações em propriedades do Grupo Carlos Lyra, em fevereiro último no estado de Alagoas; na Usina Debrasa, da poderosa Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (CBAA), em novembro de 2007, no Mato Grosso do Sul; além do flagrante na fazenda e usina Pagrisa, no Pará, em junho do mesmo ano, que libertou 1.064 trabalhadores.
Enquanto isso, no Congresso Nacional, a maioria das 16 principais matérias ligadas ao combate à escravidão está há mais de dois anos sem dar um passo na tramitação, fora das pautas de plenários e comissões ou aguardando designação de relatores. Nove projetos estão na Câmara e sete no Senado. Apenas cinco deles já passaram da primeira 'etapa' e mudaram de uma Casa à outra, dentro do Parlamento que reúne representantes de todo o país.
A PEC 438/2001, conhecida como 'PEC do trabalho escravo' é um exemplo do que acontece com projetos de lei (PLs) nas instâncias parlamentares. Aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados em agosto de 2004, ela aguarda desde atenção a votação em segundo turno no Plenário. Entre todos os projetos sobre o tema que aguardam o crivo de senadores e deputados, é o que tem o andamento mais avançado.
Órgãos governamentais e entidades da sociedade civil de combate à escravidão consideram a PEC 438 um dos projetos mais importantes no enfrentamento a esse crime. Ela propõe mudança na lei que determina a expropriação de terras onde houver cultivo de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha. O trabalho escravo passaria a ser mais um motivo para o confisco, sem indenização.
Além dessa solução, outras propostas parlamentares sugerem aumento das multas e penas mais severas para o crime em questão, além de restrição a créditos financeiros e a contratos com estatais ou empresas mistas.
Projetos estacionados
Em levantamento anterior feito pela Repórter Brasil em junho de 2006, foram identificados 12 Projetos de Lei no Legislativo. De lá para cá, dois PLs foram arquivados, há projetos novos e, dos que já estavam listados, poucos avançaram.
A PEC 438/2001 está na lista de prioridades para este ano encaminhada pelo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), aos líderes dos partidos. 'A aprovação da PEC 438 é uma prioridade dele [Chinaglia]. Mas a matéria é difícil levando-se em conta a mobilização de bancadas contra a PEC. A intenção é chegar a um acordo', informa a assessoria do presidente. Outro obstáculo citado pela assessoria é o excesso de Medidas Provisórias (MPs), que impedem o andamento das pautas da Casa. Segundo o gabinete do presidente da Câmara, são 19 MPs para serem votadas até abril.
A Repórter Brasil entrou em contato com o líder do governo na Câmara Federal, deputado Henrique Fontana (PT-RS), para obter uma avaliação dos planos governistas com relação à PEC 438/2001 e a outras matérias referentes ao tema, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
A mais antiga das propostas em tramitação é de 1997, de autoria de Paulo Rocha (PT-PA). O PL inclui na definição de trabalho escravo - descrito no Art. 149 do Código Penal - a exploração de mão-de-obra infantil. Está parado desde 2003 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Outros três PLs que tratam do assunto também estão na mesma CCJ.
Segundo o gabinete do senador Marco Maciel (DEM-PE), presidente da CCJ do Senado, não há perspectivas de avanço dos quatro projetos que estão na comissão: dois aguardando designação de relator e dois esperando para entrar na pauta de votação. 'Não existe pressão para que nenhuma matéria sobre esse assunto entre em votação e a Comissão está com um acúmulo de outros projetos para serem tratados', informa a chefia de gabinete.
Na Câmara, há cinco projetos atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Três deles estão empacados desde 2004. O presidente da comissão em 2007 foi o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), sócio da empresa Agrovás, que já esteve na 'lista suja' do trabalho escravo. Na semana passada, a CCJC escolheu um novo presidente: Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Na opinião do presidente da subcomissão do Trabalho Escravo do Senado e autor de um dos projetos que tramitam sobre o tema, José Nery (PSol-PA), as matérias têm tramitação lenta porque em alguma medida contrariam o interesse dos parlamentares. 'É verdade que tem uma parcela [do Congresso] comprometida com a mudança da legislação para beneficiar os trabalhadores. Mas também é verdade que a maioria está muito distante dessa luta para instituir instrumentos legais para a erradicação do trabalho escravo. Essa postura revela os interesses de classe, do latifúndio', critica.
Para o deputado Eduardo Valverde (PT-RO), que também tem um projeto sobre trabalho escravo, esse assunto é um tabu na Câmara, já que a bancada ruralista, que costuma fazer oposição a essas proposições, é muito bem articulada. Poucos são os que têm coragem de se colocar publicamente contra propostas que combatem o crime, avalia o parlamentar. 'Há matérias que são polêmicas, que dão desgastes políticos. Muitos fazem corpo mole, que também é uma forma de negação'.
Fonte: Repórter Brasil