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Há vida lá fora
por Você SA
Publicada em 18/6/2007

 

Por Juliana de Mari

 

Advogada de formação, jornalista por opção, escritora por prazer. A carioca Rosiska Darcy de Oliveira, de 60 anos, escolheu, profissionalmente, o que lhe faz sentido. Sacrificou a carreira em alguns momentos, sim, abriu mão de algumas posições, como a de representante do Brasil na comissão de mulheres da Organização dos Estados Americanos (OEA), mas ganhou em qualidade afetiva, em bem-estar.  

  

 

Ela pratica individualmente o que prega em seu último livro Reengenharia do Tempo (Ed. Rocco) como um dos caminhos para tratar as angústias coletivas em relação às longas jornadas de trabalho e ao desequilíbrio que se abateu sob a vida privada. 'É preciso resgatar o direito à felicidade', diz ela. 'Chega de hipotecar nosso tempo exclusivamente ao trabalho.' Ícone do movimento feminista, Rosiska foi exilada na época da ditadura, passou dez anos fora do país, estudou com Jean Piaget, um dos mais importantes psicólogos do século 21, e voltou ao Brasil empenhada em alertar mulheres (e homens também) para a necessidade de se discutir as relações de gênero além do ambiente doméstico. 'Não falo sobre a divisão de tarefas entre homens e mulheres. A questão é complexa e exige uma nova articulação entre a vida privada e o mundo do trabalho.' Autora de sete livros, há sete anos ela fundou o Centro de Liderança da Mulher (Celim), que tem sede no Rio de Janeiro e atua por meio de fóruns itinerantes em todo o país. Ela afirma: 'A reengenharia do tempo é uma questão política'. A seguir, você confere o que ela quer dizer com isso.

 

 

A sensação de falta de tempo é unânime. Como chegamos até aqui?

 

No meu ponto de vista, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e a falta de articulação entre a vida privada e a vida pública delas e deles também são os principais detonadores dessa crise. Não se trata de um problema individual nem doméstico. Temos aqui um problema da sociedade, que não passou recibo e não gerou alterações em sua estrutura capazes de suportar o impacto desse movimento feminino. Elas invadiram o mundo do trabalho, mas a vida privada continuou estruturada, em termos de emprego de tempo e de responsabilidades, como se as mulheres ainda vivessem como suas avós, como se nada tivesse acontecido. A vida, como está organizada hoje, não cabe em 24 horas. As demandas do universo privado foram absolutamente desvalorizadas, de certa forma até pelas próprias mulheres, que tentaram resolver esse problema matemático criando um dia elástico. Depois, elas entraram em conflito com os companheiros, que, mesmo com elas fora de casa, continuaram no ritmo da jornada integral. É por isso que proponho a desocultação do privado e a conseqüente reengenharia do tempo.

 

 

O que é a reengenharia do tempo?

 

O trabalho, por mais prazer que dele se extraia, não pode ser o maior consumidor da vida das pessoas. Antes, ganhávamos a vida no trabalho. Hoje, é ele quem ganha a nossa vida. As pessoas estão colapsando embora esse não seja um processo declarado. Jovens estão tendo infartos cada vez mais cedo; as crianças perderam o direito à brincadeira e com cinco anos já estão com a agenda lotada; os pais delegam a criação dos filhos a prestadores de serviços. Trabalhar demais nesse cenário tem sido apresentado como uma grande qualidade. Isso é uma insalubridade psíquica, é muito grave. Para corrigir essa absurda distorção, é que proponho essa reengenharia do tempo, visando a lucros existenciais para as pessoas e uma relação saudável entre elas, as empresas e a administração pública. Tenho certeza que é possível atuar por meio da variável tempo para resolver essa questão. É uma proposta que envolve medidas práticas da sociedade como um todo, desde a alteração dos horários do serviço público e das escolas até a maior flexibilização das jornadas nas empresas e uma verdadeira transformação de mentalidade nas relações entre homens e mulheres.

 

 

Isso esta acontecendo em algum lugar?

 

Sim. Há países que já entenderam que a relação saudável das pessoas com a vida além do trabalho é muitíssimo importante para a performance profissional. Entenderam que a empresa não pode ser a razão de um descalabro na vida das pessoas. Em meu livro, apresento o resultado de uma pesquisa que venho realizando há mais de dez anos. Itália, Holanda, Suécia e Dinamarca estão à frente dessas mudanças, com ganhos em qualidade de vida para a sociedade como um todo. Acredito que, no Brasil, estamos chegando a um ponto de virada. Os quadros mais inteligentes das empresas não vão vender a vida a preço barato e pagar um preço tão alto em relação aos demais interesses pessoais.

 

 

Como essa angustia se manifesta para nos?

 

Há um mal-estar generalizado tanto em relação às exigências de reciclagem contínua quanto aos fracassos privados. Nenhum profissional sobrevive hoje no mercado de trabalho com o que aprendeu na faculdade. Ou você se recicla ou desaparece. E é necessário tempo para essa jornada da formação. Também não há mais tempo para tratar das crises, seja um problema no casamento ou uma doença na família, nem isso existe. O que tem rompido o casamento hoje não é mais a gestão do dinheiro, por exemplo. É a briga pela gestão do tempo. Diante do cenário que se coloca atualmente, essa é uma questão impossível de ser ganha por qualquer pessoa, pois todas essas demandas não cabem em 24 horas.

 

 

Que profissional consegue fazer sucesso num cenario como esse?

 

O vencedor, na maior parte das vezes, é alguém sem vínculos, sem responsabilidades afetivas. Por que a maioria dos profissionais vai sofrer muito na tentativa de conciliação da carreira com a vida privada. Há uma dupla mensagem das empresas: seja e não seja, a origem das esquizofrenias. Elas querem o líder espiritualizado, mas não dão tempo para que ele simplesmente converse com sua equipe ou mesmo se reenergize com a família, os amigos ou cultivando um hobby qualquer. Estimulam a qualidade de vida, mas esperam que o executivo esteja disponível sete dias por semana no celular. Os profissionais não sabem mais a quem atender.

 

 

Qual é a sua definição de sucesso?

 

Hoje há uma grande confusão entre triunfo, a sensação de sucesso depois de uma tarefa realizada, e bem-estar. Um sentimento não exclui o outro, mas hoje é muito comum que o primeiro prevaleça em detrimento do segundo. Sucesso, para mim, é um sentimento interno, que inclui o reconhecimento dos outros, claro, mas principalmente o seu mesmo. Um tem que bater com o outro, senão você fica preso a uma espiral de expectativas que não fazem sentido e que minam a sua energia e a sua motivação rapidamente.

 

 

Como você avalia a flexibilidade nas jornadas de trabalho?

 

É uma faca de dois gumes, dependendo do sentido que lhe é atribuído. Há um modelo chamado 'tempo zero'. Em outras palavras, a falsa ilusão de flexibilidade. Se dão um celular para você e ele fica ligado o tempo todo, em função do tempo globalizado, isso é um tipo de escravidão moderna. Em vez de abrirem espaços de liberdade, as novas tecnologias estão sendo usadas para acelerar o trabalho. É o modelo vigente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Há outro modelo, no entanto, que está sendo debatido em alguns países da Europa, que visa à melhoria da vida cotidiana. Lá as empresas já entenderam que os funcionários ficam melhor dispostos para produzir na medida em que se aliviam dos problemas privados. Daí, vem a flexibilidade nos horários, o teletrabalho e as licenças temporárias para repensar a carreira e a vida.

 

 

O quanto à idéia de quem trabalha melhor é quem trabalha mais atrapalha o processo de resgate do tempo privado?

 

Isso não é verdade. É um erro de concepção, um desperdício. Quem trabalha melhor, no contexto atual, é quem tem as melhores idéias! Tempo é uma variável que não cabe mais nessa avaliação. A criatividade é o mais importante. Com tanta tecnologia à disposição, não é mais necessário trabalhar oito horas por dia grudado à mesma cadeira. A grande oportunidade que os progressos tecnológicos trazem é a de uma ruptura de paradigma: a sociedade futura seria cada vez menos uma sociedade de 'pleno emprego' e mais de 'vida plena'. O tempo de trabalho liberado, portanto, não apareceria como uma perda de tempo nem como um desperdício de si mesmo.

 

 

Quais as competências mais importantes para um profissional lidar com as demandas crescentes do mercado de trabalho?

 

As competências, as habilidades e os dons de cada um são, cada vez mais, seu verdadeiro capital. Ter sucesso depende, em boa medida, da capacidade de aprender e reaprender. Numa sociedade em que o tempo se acelera e as distâncias se encurtam, o ato de aprender se torna uma atividade cotidiana permanente. Daí, a necessidade de uma nova relação entre trabalho e vida privada. No leque de competências fundamentais, eu destacaria a abertura à inovação, a adaptabilidade à mudança e a capacidade de trabalhar em equipe, assim como a capacidade de agir por si mesmo, de se auto-organizar e de se abrir a novos relacionamentos e experiências.

 

 

Por onde começar a buscar um novo significado para o trabalho e a vida?

 

Comece por uma pergunta: 'O que é que realmente me faz feliz?' O estado de coisas atual, a sobrecarga de trabalho, o colapso da vida familiar só podem ser reconhecidos como problemas se recuperarmos a idéia da felicidade. Quase não se fala mais nisso, como se não fosse direito querer ser feliz, não estar estressado, ter uma vida equilibrada entre prazeres diversos, incluindo o que vem do trabalho. É preciso querer recuperar o controle sobre a sua vida e repensar se você quer continuar trabalhando para justificar um consumo que nem sabe se quer ter. Não há uma receita; o que há é um ponto de partida.

 

 

Qual o papel dos lideres nesse processo?

 

Um chefe atento percebe quando alguém da equipe tem problemas, quando está diferente. E deveria perceber, inclusive, quando um grupo inteiro está embaralhado na questão do tempo, lutando contra o estresse. Esse é o momento em que os líderes podem fazer diferença: ajudar as pessoas a resolver as questões que as incomodam, para que possam voltar a produzir o esperado.

 

 

Se é tão importante estar bem em casa para trabalhar melhor, por que a maioria das empresas continua ignorando isso?

 

Tem uma questão não dita: há uma desconfiança básica em relação à responsabilidade dos funcionários. Isso vem de um tempo em que o trabalho era uma coisa realmente chata, obrigatória, onde as pessoas passavam seu tempo apertando um mesmo parafuso a vida toda. Hoje isso não é mais verdade: muitas pessoas gostam muito do que fazem e são absolutamente comprometidas com os resultados e os desafios que lhe são colocados. O problema é que essa entrega acontece em detrimento de outros prazeres.

 

 

O que é ter tempo para você?

 

Este é o momento da história da humanidade em que cada um de nós é obrigado a escrever, na sua vida, sua própria biografia. Não há mais modelos prontos: cada indivíduo precisa dar sentido as suas escolhas. Assumir o seu tempo, escapando das expectativas dos outros e elegendo o que é importante para você, é uma imensa responsabilidade. Mas acredito que perseguir o bem-estar é o caminho mais seguro para triunfar na vida. E para isso é preciso ter tempo. Tempo, para mim, é sinônimo de liberdade.


Artigo fornecido pela revista VOCÊ S/A.
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