Por Letícia Colombini
No fim do ano passado, a EDS, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, passou a gerenciar o centro de processamento de dados da Telesp, operadora de telefonia fixa do grupo Telefônica, que atua no estado de São Paulo. O valor do contrato, o maior já negociado pela EDS no Brasil, não foi revelado, mas estima-se uma receita anual de cerca de 100 milhões de reais. Nos bastidores desse acordo milionário, que levou um ano para ser concretizado, estava o mexicano Micael Cimet, presidente da EDS para a América |
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Latina. Cimet orgulha-se de manter uma relação duradoura com cada um de seus clientes. Os contratos fechados pela empresa costumam ser válidos para cinco anos. Não raro, porém, ele depara com situações difíceis à mesa de negociação. Criar empatia e buscar uma solução que satisfaça a ambos os lados é a estratégia que ele usa para contornar eventuais problemas. Chegar de mente aberta e sem resistência para conversar, também. 'Negociar não significa guerrear', diz. O executivo previne seu interlocutor quando este toma uma decisão equivocada, por exemplo. 'Sei que se não fizer isso certamente nossa relação ficará comprometida no futuro.'
O estilo de negociação de Cimet - informal e baseado na parceria e na transparência - faz com que ele seja reconhecido pelo mercado como um negociador de primeira linha. Negociar, porém, não é prerrogativa dos altos executivos. O mundo em que vivemos é uma gigantesca mesa de negociações de que, quer queira, quer não, todos participam ativamente - inclusive você. Vejamos o que acontece no ambiente de trabalho: em geral, para dar conta de suas responsabilidades você depende da cooperação e do apoio de pessoas de diferentes funções, áreas e níveis hierárquicos dentro da empresa. 'Sua habilidade em costurar acordos, seja no âmbito profissional, seja no pessoal, determina seu grau de influência no ambiente - o que pode lhe garantir a sensação de domínio sobre sua vida', diz Herb Cohen no best-seller Você Pode Negociar Qualquer Coisa (Record). Compreender na totalidade o jogo da negociação representa atualmente uma tremenda vantagem competitiva.
Nem sempre, no entanto, as negociações são simples e têm desfechos rápidos. Muitas são complexas, arriscadas, nervosas e exigem muito mais que habilidades medianas. Como lidar, por exemplo, com pessoas razoáveis que, sob estresse, se tornam agressivas, intratáveis, imprevisíveis? Com alguém que foca somente em seus próprios interesses e se recusa a ceder? Ou com um sujeito que nos leva a acreditar que, enfim, chegamos a um denominador comum - só para fazer uma nova exigência de última hora? A negociação não é uma ciência exata, e, logo, não existem receitas prontas. A boa notícia é que qualquer profissional com autoconfiança e algum poder de persuasão pode aprimorar sua capacidade nesse campo. Negociar é, sobretudo, uma questão de atitude. 'A negociação efetiva, na minha opinião, é: 10% técnica e 90% atitude', diz G. Richard Shell, diretor de negociação executiva da Wharton School, nos Estados Unidos, e autor do livro Negociar É Preciso (Negócio Editora). Veja a seguir como lidar com os entraves mais comuns das negociações - para chegar a um desfecho no qual você e seu interlocutor saiam vitoriosos:
Diga não ao não
Obstinados, sedutores, ingênuos, faladores, trapaceiros, autoritários. Qualquer pessoa está sujeita a deparar com tipos como esses do outro lado da mesa de negociação. O mais comum, porém, é topar com um interlocutor que insulta e ataca diretamente as propostas alheias - uma tática tipicamente competitiva. Não raro, ele assume posições rígidas e exerce em seus opositores uma pressão exagerada. A regra de ouro, nesse caso, é não ceder nem revidar na mesma moeda (por mais vontade que você tenha), não rejeitar de pronto a posição dele para afirmar a sua nem exercer uma contrapressão direta. Isso só intensificará o confronto, acredite. 'Em vez de dizer ao outro o que fazer, incentive-o a buscar a idéia dentro de si mesmo', diz Marc Burbridge, professor de negociação da Business School São Paulo (BSP). 'No fim das contas, ele se sente vencedor e você consegue o que quer.' Invente opções, várias opções, para tentar acomodar ao máximo seus interesses aos de seu interlocutor. Quanto mais alternativas você tiver na manga, maiores as chances de romper eventuais confrontos.
Razão versus emoção
Se o processo está caminhando bem, você fica satisfeito. O problema é quando sente que suas necessidades não estão sendo atendidas. Quando isso acontece, é fácil se deixar levar pelas emoções. Você pode sentir-se ameaçado, irritado, frustrado, ansioso. Sua reação é retaliar, tentar dominar a situação de qualquer maneira ou simplesmente 'travar'. Pois saiba que bons negociadores podem até se envolver emocionalmente, mas não deixam que isso transpareça. Conseguem manter o distanciamento, seguindo em frente de maneira persistente. 'Levar a negociação para o lado pessoal é um dos piores erros que alguém pode cometer', diz Diana Muhr Soisalo, diretora adjunta da área de tecnologia do BankBoston. Durante muitos anos, Diana trabalhou no setor de compras da Accor e, depois, na área de relacionamento com fornecedores do Unibanco. Também atuou como consultora de negociação. 'Quando você liga um neurônio da emoção, desliga um da razão, e assim sucessivamente. Para perder o controle e colocar tudo a perder é um passo.'
A arte de ceder
Não há espaço para a falta de jogo de cintura na negociação. Para que ambas as partes saiam satisfeitas, é preciso que cada uma ceda um pouco. 'Numa transação difícil, não basta mostrar à outra parte que você pode conceder-lhe o que ela deseja', diz Shell, da Wharton. 'Quase sempre as pessoas não consideram esse tipo de demonstração e aumentam suas exigências.' Existem os negociadores que fazem pequenas concessões e pedem que você faça outras bem maiores em retribuição. Ou, então, os tipos manipuladores, cuja estratégia preferida é solicitar pequenos favores pouco antes de o acordo ser fechado. Com receio de arruinar o negócio e, por tabela, o relacionamento, a maioria capitula. A recomendação, no entanto, é ter sempre uma oferta na manga e não reagir de maneira compreensiva às necessidades de última hora.
Impasse à vista
Impasses ocorrem principalmente por falta de empatia e sintonia entre as partes, ou quando os ânimos se exaltam e a tensão toma conta do ambiente. Para tentar transpor o muro entre você e seu interlocutor, o ideal é sugerir um intervalo e retomar o processo outro dia. Aproveite para reavaliar suas expectativas e retorne à mesa com novas soluções. Se a tentativa de acordo fracassar, solicite a presença de uma terceira pessoa. Alguém imparcial que auxilie ambos os lados a reestruturar a negociação. Existe ainda um último recurso: ceder seu lugar a outro negociador. Luiz Carlos Cabrera, headhunter da PMC Amrop International, costuma usá-lo de tempos em tempos. 'Tenho dificuldade em lidar com gente muito arrogante', diz. 'Quando estou diante de um tipo como este, peço a outro profissional para continuar a conversa.'
E sabe qual é o cúmulo do impasse? É o ultimato, ou o famoso 'é pegar ou largar'. Negociadores experientes o usam para injetar urgência no processo. Algumas vezes, eles estão dizendo a verdade - existem outras ofertas, muita demanda e um prazo real a cumprir. Em geral, porém, não passa de encenação. Seja como for, o ultimato deixa pouca brecha para você contra-argumentar. 'Muitos ameaçam ir embora, para ver se o outro lado os convence a ficar', diz José Augusto Wanderley, consultor de negociação e autor de Negociação Total (Editora Gente). 'Se deixarem você ir, o jeito é voltar com uma nova proposta.' Mas, se a negociação continuar sem corresponder às expectativas, talvez seja hora de pendurar as chuteiras. 'É melhor não fazer um acordo do que fechar um acordo ruim', diz Wanderley. 'O importante é deixar que seu interlocutor guarde uma imagem positiva de você para o futuro.'
Não brinque com fogo
Você deve estar disposto a correr riscos enquanto negocia. Sempre se valendo, é claro, da inteligência e do bom senso. Mas utilizar estratégias de alto risco (ameaças, estratagemas e blefes) é como brincar com fogo. 'Muitos negociadores oferecem ao oponente uma cadeira baixa ou quebrada, colocam-no posicionado contra o sol, exageram na temperatura do ar-condicionado, para citar apenas alguns exemplos', diz Burbridge, da BSP. 'O objetivo é sobressair, deixando o outro lado subjugado e desconfortável.' Tudo errado. Bons negociadores jogam limpo e são, sobretudo, confiáveis. Eles sabem que basta um deslize ético para sua credibilidade ficar comprometida, não somente para um mas para todos os acordos.
Seu território, meu território
É bem mais provável que a maior parte dos acordos seja feita por telefone, e-mail ou no decorrer de um agradável jantar de negócios do que propriamente diante de uma mesa. Aliás, há quem diga que qualquer negociação se desenvolveria mais facilmente sem a tal mesa. 'Ela representa um poderoso símbolo, e nenhum simbolismo é bom nessas horas', diz Mark H. McCormack em seu livro A Arte de Negociar (Best Seller). Outros especialistas garantem, ainda, que as pessoas atuam melhor em seu próprio território. Jaime Araújo, vice-presidente da Módulo e-Security e negociador de carteirinha, por exemplo, prefere negociar durante uma viagem ou depois de uma partida de futebol. 'Sou um adepto dos esportes radicais e de vez em quando convido meus clientes para me acompanhar num trekking ou num rappel', diz. 'Antes disso, trato de me informar sobre as preferências deles, a família e, claro, como podemos ganhar dinheiro juntos. Afinal, a negociação está diretamente ligada ao tipo de relacionamento que você cultiva com o outro.'
É preciso dizer não
Em seu dia-a-dia, Diógenes Dalle Lucca, comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) da polícia paulista, enfrenta um tipo de crise que leva até os mais experientes a suar frio: a negociação para libertação de reféns. Seu principal objetivo diante de negociações extremas como esta, invariavelmente demoradas e tensas, é garantir a vida do refém e a entrega das armas pelos criminosos. Uma das maiores dificuldades do processo é acalmar o seqüestrador. O comandante mantém contato visual, adota voz calma e pausada e evita mostrar as armas. Um obstáculo comum surge quando o bandido começa a fazer exigências. 'Nem penso em atender a esses pedidos', diz Lucca. 'É preciso criar empatia, mas permanecer firme, sob o risco de perder a credibilidade.' Concessões de ambos os lados, no entanto, fazem parte da negociação. 'Num dia de extremo calor, cheguei a negociar a vida de um refém por uma garrafa de água mineral.' Lucca não trabalha sozinho. Antes de chegar ao local do seqüestro, sua equipe reúne dados sobre a vida do criminoso e os transmite ao comandante. Refém libertado, bandido preso, o time do GATE analisa os erros e os acertos do processo para estar ainda mais preparado no futuro.